Habilitação direta de pensionista para crédito inscrito em precatório

em Execuções Contra a Fazenda Pública

A edição da Lei n. 6.858/1980, regulamentada pelo Decreto n. 85.845/1981, ensejou, no âmbito jurídico, interpretação específica sobre a titularidade superveniente para créditos de natureza previdenciária em prol dos sucessores de titular falecido.

A legislação brasileira, que tem critério objetivo e diferenciado para variadas normas civis, dispõe que os dependentes habilitados junto à Previdência Social têm preferência ao recebimento dos créditos não recebidos em vida por servidor em relação aos herdeiros, nos seguintes termos:

Art. 1º – Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares, e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento.

Questão importante refere-se à identificação da titularidade superveniente causa mortis na hipótese de existência, concomitante, de sucessores legítimos e dependentes habilitados, principalmente em relação às verbas remuneratórias atrasadas.

A indagação é intrincada e recebeu tratamento divergente da jurisprudência durante muito tempo. O atual entendimento decorre de orientação majoritária do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual os valores relativos a atrasados salariais devem ser incluídos no inventário e partilhados entre os herdeiros segundo o regime geral do direito sucessório; confira-se:

RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. REAJUSTE DE 28,86%. LEI 8.622 E 8.627 DE 1993. MEDIDA PROVISÓRIA 1704-2 DE 1998. DIFERENÇAS SALARIAIS. FALECIMENTO DO TITULAR. INVENTÁRIO E PARTILHA. LEI 6858/80, § 1º. NÃO APLICAÇÃO. CITAÇÃO DA BENEFICIÁRIA DA PENSÃO. NULIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.
[…]
2. Os atrasados oriundos de diferenças salariais correspondentes ao reajuste de 28,86% concedido aos servidores públicos federais pelas Leis 8.622 e 8.627, ambas de 1993 e Medida Provisória 1704-2, de 1998, não recebidos em vida pelo titular, devem ser incluídos no inventário e submetidos à partilha entre os herdeiros, da mesma forma como ocorre com as verbas rescisórias obtidas em reclamação trabalhista, não tendo aplicação, nesses casos, a fórmula concebida pela Lei 6858/80.
3. Recurso especial a que se nega provimento.
(STJ, REsp n. 1.155.832/PB, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe em 15.8.2014; grifos aditados)

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. LITÍGIO ENTRE PENSIONISTA E HERDEIROS DE SERVIDOR PÚBLICO FALECIDO EM TORNO DE VERBAS REMUNERATÓRIAS ATRASADAS (PAE). PEDIDO DE ALVARÁ APENSO AO PROCESSO DE INVENTÁRIO. DIFERENÇAS CORRESPONDENTES A ABONO VARIÁVEL, ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO E DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO. NÃO INCIDÊNCIA DA LEI N. 6.858/80. EXISTÊNCIA DE OUTROS BENS A PARTILHAR E VALOR EXPRESSIVO DAS DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS DEVIDAS AO FALECIDO.
[…]
3. A Parcela Autônoma de Equivalência (PAE) constitui verba integrante da remuneração do servidor, que, não tendo sido paga na época oportuna, passa a configurar crédito não recebido em vida pelo titular do direito, integrando os bens e direitos da herança.
4. Solução da controvérsia a ser definida pelas regras do direito sucessório, cabendo aos herdeiros o direito à partilha de tais verbas.
8. […] RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
(STJ, REsp n. 1.537.010/RJ, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe em 7.2.2017; grifos aditados)

Essa diretriz é fundamentada nos direitos à herança e à igualdade entre os filhos previstos nos artigos 5º, XXX, e 227, § 6º da Constituição Federal, respectivamente. Além disso, a Exposição de Motivos da Lei n. 6.858/1980 revela a intenção do legislador de desburocratizar o procedimento da habilitação, de maneira a possibilitar o acesso rápido das famílias às pequenas quantias remuneratórias deixadas por seus entes.

Observa-se, assim, que a referida legislação não teve a intenção de mudar a natureza jurídica das verbas remuneratórias retroativas recebidas por sucessores causa mortis, tampouco equiparou o direito ao crédito a eventual benefício previdenciário.

Até porque, para qualquer diferença salarial reconhecida pelo Judiciário em favor de servidor público, os respectivos valores incorporam-se ao seu patrimônio e, na hipótese de óbito do credor originário, ocorre a imediata transferência do direito ao crédito em favor dos herdeiros legítimos.

Ao integrarem, portanto, o patrimônio dos sucessores, esses valores devem ser submetidos à regra da meação, a depender do regime de bens que rege o casamento, e às regras da herança prevista no código civil, tornando, assim, imprescindível a inclusão desse crédito no inventário.

Embora oscilante no passado, esse é o entendimento prevalecente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Ou seja, os créditos de natureza remuneratória decorrentes de defasagem salarial devem ser destinados, em caso de falecimento, aos sucessores, em concorrência com o cônjuge sobrevivente – a depender do regime de casamento –, ao passo que os créditos devidos em decorrência de eventual lesão ocorrida na pensão devem ser atribuídos ao beneficiário previdenciário.

Receba nossas publicações e notícias